sábado, 7 de junho de 2014



A importância da Escola Politécnica durante a Revolução de 32





Granadas de mão, capacetes, munição de infantaria, mapas e binóculos, máscaras anti-gases, bombas aéreas, morteiros leves e pesados, lança-chamas: uma nova super produção hollywoodiana?
Não. Escola Politécnica, 1932.
Assim descrevia a Revista Politécnica os acontecimentos da época: 
“A 9 de julho de 1932 irrompeu neste estado um grande movimento armado, animado do mais puro idealismo, sob as aclamações calorosas de crianças, de moços e de idosos, sublevação heróica, com o incondicional apoio de ricos e pobres, homens e mulheres. E a nossa Escola, através de todo o seu corpo docente e discente, unânime e coesa, apressou-se em hipotecar completa e irrestrita solidariedade ao movimento assim deflagrado.”
E assim foi feito. A Politécnica entregava-se de corpo e alma ao movimento  constitucionalista, engajando-se na política e na construção de armas e outros artefatos úteis à guerra, contra a ditadura de Getúlio Vargas.
Durante os cansativos três meses do conflito a rotina da Escola transformou-se. Laboratórios eram utilizados para o estudo e fabricação de perigosos explosivos, mesmo sem o conhecimento perfeito de seu comportamento e dos acidentes que poderiam ser provocados. Muitas vezes os politécnicos tiveram que resolver problemas com os quais nunca sonharam confrontar-se, sempre à iminência de uma explosão fatal, demonstrando puro idealismo e coragem.
Vários projetos ousados foram realizados sob a supervisão da Politécnica, como a blindagem de trens, veículos terrestres leves e até de uma lancha, utilizada para patrulhar a fronteira com Minas Gerais.
Foram fabricadas ainda bombas de fumaça, munições para fuzis e metralhadoras (a Escola  chegou a adaptar máquinas de parafusos para tal atividade) e lança-chamas, “ interessante arma vomitadora de longa língua de fogo à temperatura de 1.700º  C”, segundo relato da  Revista Politécnica. 
Outro engenhoso recurso fabricado foi a matraca, aparelho que era composto por uma lâmina metálica em contato com uma roda dentada, a qual girando a roda em grande velocidade, produzia-se tremendo ruído, semelhante ao de uma metralhadora.
Mas nem todos conseguiram conter-se diante da situação. Alguns alunos chegaram a se alistar como soldados rasos em vez de se engajar nas atividades da Escola. Por iniciativa do grêmio foi organizado o batalhão “Caçadores de Piratininga”, do qual o primeiro pelotão era formado por politécnicos. Há registro de que eles se rebelaram e  desobedeceram as ordens da comissão de professores da escola, que de posse de uma requisição do Q.G., tencionava impedir a sua partida para o  front, alegando que seus serviços seriam mais úteis no Serviço de Engenharia da Força Pública do estado.
Ao lado de outros 135 mil paulistas, os politécnicos lutaram incansavelmente.
Mas, no dia dois de outubro, sem armas, sem munição e sem o apoio de outros estados, São Paulo foi obrigado a render-se às forças de Vargas.
Entretanto, embora derrotada em armas, a revolução paulista conquistou todos seus objetivos, já que no mesmo dia em que rebentou o conflito, cedendo à pressão, Getúlio nomeou uma comissão de constitucionalização, iniciando assim  o franco declínio do movimento tenentista.
Não posso deixar de citar ao menos um destes “Heróis Politécnicos”, engrandecendo meus escritos com seu nome: Clineu Braga de Magalhães, componente do memorável batalhão “14 de Julho”, morto em combate. Eis o discurso de Alfredo Giglio, quando da inauguração do monumento em memória aos politécnicos mortos na Revolução Constitucionalista: “A mocidade acadêmica tomou parte em todas as fases da Revolução de 32, e continua ativamente no resguardo das cousas paulistas que se prendam intimamente aos feitos sagrados daquela epopéia. Aqui estamos diante dos feitos mais eloqüentes de nossa guerra, aqui vemos o dinamismo do paulista na mágica improvisada do alcance técnico de nossa engenharia, no tocante ao prolongamento de uma guerra feita quase sem outra ajuda que o armamento da inteligência...”
Devíamos nos espelhar nestes bravos, deixar nosso comodismo de lado e lutar por aquilo em que acreditamos. Pra quê estudamos? Apenas para ganhar dinheiro e adquirir certo status? Eu não quero acreditar nisso. A Escola Politécnica antigamente formava, não só engenheiros altamente capazes de resolver problemas, problemas esses que poderiam custar a sua própria vida, mas também pessoas cientes de sua responsabilidade como agentes modificadores da sociedade, que tinham coragem de se levantar de suas salas de aula, de largar os seus laboratórios e aplicar todo o conhecimento adquirido em prol de ideais revolucionários.
Aonde foi parar este espírito? Morreu na Revolução de 1932? Tenho orgulho de ser paulista, tenho orgulho de estudar engenharia e tenho orgulho de ser Politécnico, sei do meu valor e não me acho melhor ou pior que ninguém. Apenas sei de minhas responsabilidades, e, por isso, darei o quanto sou naquilo que fizer; é o mesmo que espero de cada um de vocês. Que possamos nunca desistir de nossos ideais, de nossa guerra diária, só assim seremos dignos de ser chamados colegas dos politécnicos de 32 e de cada grande pessoa que marcou esta Escola.

                                               Oração ante uma Trincheira         

                                                               Guilherme de Almeida
“Agora é o silêncio
É o silêncio que faz a última chamada...
É o silêncio que responde:
— Presente” !
Depois será a grande asa tutelar de São Paulo — asa que é dia e noite e sangue e estrela e mapa — descendo, petrificada, sobre um sono que é vigília.
E aqui ficareis, Heróis-Mártires plantados, firmes: — para, sempre, neste santificado torrão de chão paulista.
Para receber-vos, feriu-se ele da máxima de entre as únicas feridas, na terra, que nunca se cicatrizam, porque delas uma imensa coisa emerge e impõe-se que as eterniza.
Só para o alicerce, a lavra, a sepultura, e a trincheira se tem o direito de ferir a terra.
E, mais legítima que a ferida do alicerce, que se eterniza na casa, a dar teto para o amor, a família, a honra, a paz.
Mais legítima que a ferida da lavra, que se eterniza na árvore a dar lenho para o leito, a mesa, o cabo da enxada, a coronha do fuzil; mais legítima que a ferida da sepultura, que se eterniza no mármore a dar imagem para a saudade, o consolo, a benção, a inspiração, mais legítima que essas feridas é a ferida da trincheira, que se eterniza na Pátria a dar a pura razão de ser da casa, da árvore e do mármore.
Este cavado trapo de terra — corpo místico de São Paulo, em que ora existis, consubstanciados, mais que corte de alicerce, sulco de lavra, cova de sepultura, é rasgão de trincheira.
E esta, perene que povoais, é a nossa última trincheira.
Esta é a trincheira que não se rendeu, a que deu à terra o seu suor, a que deu à terra a sua lágrima, a que deu à terra o seu sangue!
Esta é a trincheira que não se rendeu, a que é nossa bandeira gravada no chão, pelo branco do nosso Ideal, pelo negro do nosso Luto, pelo vermelho do nosso Coração.
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que, atenta, nos vigia;
a que, invicta, nos defende;
a que, eterna, nos glorifica!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que não transigiu,
a que não esqueceu,
a que não perdoou!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
Aqui a vossa presença, que é relíquia, transfigura e consagra num altar, para o vôo, até Deus da nossa fé!
E, pois, ante este altar, alma de joelho, a voz rogamos:
— Soldados santos de 32, sem armas em vossos ombros, velai por nós!;
sem balas na cartucheira, velai por nós!;
sem pão em vosso bornal, velai por nós!;
sem água em vosso cantil, velai por nós!;
sem galões de ouro no braço, velai por nós!;
sem medalhas sobre o cáqui, velai por nós!;
sem mancha no pensamento, velai por nós!;
sem medo no coração, velai por nós!;
sem sangue já pelas veias, velai por nós!;
sem lágrimas ainda nos olhos, velai por nós!;
sem sopro mais entre os lábios, velai por nós!;
sem nada a não ser vós mesmos, velai por nós!;
sem nada senão São Paulo, velai por nós!